Quando iríamos imaginar que, do nada, nossa vida diária mudaria completamente? Se me contassem que existiria um dia nas nossas vidas que eu teria o último contato físico com meus alunos, que não teríamos mais toda vida pulsante na escola: a correria da entrada, a gritaria do recreio, a espera pelo sinal de ir embora, que toda esta rotina aconteceria de forma virtual. Que a rotina da sala de aula passaria a ser através de uma tela de computador ou de um celular. Eu não acreditaria. Mas esse dia está sendo vivenciado por mim e por muitos colegas de profissão. Sou professora da Rede Pública Municipal e Estadual Viamonense. E estou enfrentando duas maneiras bem distintas de trabalho online. Enquanto uma é pelo WhatsApp, a outra é pela plataforma google sala de aula.
No susto tive que organizar os espaços em minha casa, pois agora seria a sala de aula de meus filhos e minha. É estou no papel de mãe e professora, e sei muito bem como é a sensação dos pais tendo que orientar os filhos nas tarefas escolares, na organização, auxiliar e fiscalizar. E meus filhos também estão em níveis diferentes de aprendizagem. Um está nos anos iniciais do Ensino Fundamental e o outro no Ensino Médio, ou seja, adolescente. Muitas vezes nos perdemos de tantos livros, folhas e revistas espalhados pela casa. Seria nosso escritório doméstico. Meu dia a dia não se resume em apenas planejar as minhas aulas, dar as atividades, auxiliar nas dúvidas, receber as devolutivas, dar retorno das devolutivas, preencher as tabelas de acompanhamento, preencher o diário de classe, participar da reunião administrativa, da reunião pedagógica, das lives de formação, mas também auxiliar meus filhos, cuidar da casa, da alimentação, enfim, tudo que faz parte da rotina de uma casa. Além do mais é preciso achar um momento para pesquisar novos aplicativos, programas, fazer vídeos, dominar a linguagem da plataforma, etc. Imagina como é ser professora de matemática enviando tarefas pelo WhatsApp. É um grande desafio preparar atividades que sejam acessíveis, que tenha uma linguagem clara e precisa. Por experiência própria, minhas atividades precisam alcançar não apenas meus alunos, mas os pais, ou responsáveis, pois alunos contam com a ajuda e o apoio deles. Tive que superar as minhas dificuldades e produzi materiais de apoio para facilitar o entendimento dos pais e dos alunos. Se aparecesse um gênio e me concedesse um desejo, não tenha dúvida que seria a volta ao normal. Quem não é professor, ou não convive com alguém que seja professor, não faz ideia do quanto trabalhamos. Chegamos a trabalhar mais de 12 horas diárias. Os pais que realmente estão acompanhando as aulas dos filhos sabem da importância do professor e sabe o quanto nos dedicamos, o quanto procuramos fazer o melhor, o quanto procuramos fazer com que o aluno tenha menos prejuízo na sua aprendizagem. Para uma parte desinformada da população os professores são considerados vagabundos, que não gostam de trabalhar, que ficam em casa recebendo salário de perninha para cima assistindo séries na TV. Estão muito enganados, estamos dando nossa cota de sacrifício para que haja menos danos as famílias das pessoas a quem me são muito especiais, afinal quanto menos pessoas na rua, quanto maior for o distanciamento, menor é o risco de contaminação. Escolas fechadas significa menos pessoas circulando, mais distanciamento e menos aglomeração como consequência… mais segurança. Além do mais muitas escolas o ambiente é inadequado, salas sem ventilação, pouco espaço, etc. Para isso, meus colegas e eu, trabalhamos o triplo em relação ao modo presencial. Mas assim protegemos todas as famílias. Consideramos que no momento é melhor estamos sobrecarregados para logo mais nos reencontrarmos vivos e saudáveis, sobreviventes de uma guerra sem armas bélicas. Minha admiração pelos meus colegas que iniciaram sem nenhum conhecimento de tecnologia e com muita determinação não deixaram seus alunos na mão.
Ao fazer este relato, minha intenção não é me fazer de vítima, muito menos dizer que ser professor é carregar as dores do mundo. Cada profissão teve que se readaptar em uma nova rotina. A que apresentei foi a minha de professora. Amo minha profissão e é ela que enche meu espírito de esperança de que tudo que estamos passando seja uma transformação, seja um despertar nas pessoas a empatia, o senso comum e a solidariedade. Ser professor é isso, é acreditar num futuro melhor, cheio de esperança, e de humanidade. Silvana Marques Reinheimer.