Até o presente momento, a pandemia de Covid-19, que é a responsável pela morte de milhares de pessoas ao redor do mundo, inclusive no Brasil, não invadiu a Região Sul do país com a mesma força com que vem causando mortes em outras regiões, em especial, alguns estados do Sudeste, Norte e Nordeste. Entretanto, desde o dia 19 de março, quando o governador Eduardo Leite decretou situação de calamidade pública, a saúde financeira de grande parte da população do Rio Grande do Sul vem sendo afetada. A queda repentina da circulação do dinheiro no mercado, cuja razão principal é o fechamento de grande parte do comércio, fez com que bancos e financeiras passassem a renegociar a prorrogação do pagamento das parcelas de algumas modalidades de empréstimos e financiamentos com clientes que tiveram perda ou diminuição significativa de renda. Sobre este assunto, o Jornal Opinião teve um bate-papo com André Tavares, empresário viamonense e especialista em crédito.
J.O. – Qual o impacto da crise gerada pelo coronavírus no mercado de crédito no Brasil?
André – A pandemia praticamente paralisou a economia no Brasil e no mundo. Os efeitos são comparados aos da crise financeira global de 2008. No curto prazo preocupa menos, pois quase todos os bancos estão renovando a carência de algumas linhas de crédito para seus clientes pessoas físicas e micro e pequenas empresas, prorrogando os pagamentos por 60 ou até 90 dias. Mas a roda da economia precisa voltar a girar para que essas dívidas renegociadas possam ser adimplidas no médio prazo.
J.O. – A procura por crédito aumentou nesse período?
André – Sim. Os empresários, autônomos e profissionais liberais que viram seus faturamentos despencarem, assim como os colaboradores que perderam seus empregos e não tinham uma reserva precisaram recorrer aos bancos para contratar empréstimos ou renegociar novos prazos para aqueles que já estavam em andamento. Porém, maior procura por crédito não quer dizer, necessariamente, maior volume de crédito liberado.
J.O. – Os bancos estão dificultando?
André – O momento é delicado. Para algumas linhas de crédito de maior risco os bancos apertaram a análise e aumentaram os juros.
J.O. – Por quê?
André – Se o risco aumenta, os juros também sobem. Como eu falei antes, o risco de inadimplência no médio prazo, caso a economia não se recupere, é uma possibilidade que os bancos não podem deixar de considerar.
J.O. – Neste momento existem linhas de crédito com baixo risco?
André – O crédito consignado continua sendo a linha de crédito com menor risco.
J.O. – O risco de inadimplência não aumentou no crédito consignado?
André – Quase a totalidade do crédito consignado concedido no Brasil é para servidores públicos estáveis, aposentados e pensionistas. Se eles estiverem recebendo seus salários, benefícios e aposentadorias em dia o risco praticamente não muda, continua muito baixo.
J.O. – Prefeitos e governadores podem suspender os descontos das parcelas?
André – É ano de eleições municipais e alguns prefeitos ou vereadores podem entender, equivocadamente, que seria uma forma de ficar bem com o funcionalismo. Porém não há motivos para suspender os pagamentos de empréstimos de quem manteve seus ganhos. Naquelas linhas de crédito disponíveis a quem teve perda significativa de renda ou perdeu seu emprego a renegociação é uma boa saída tanto para o banco quanto para o cliente, mas no crédito consignado não há razão lógica para isso. Se os salários estiverem sendo pagos, os descontos devem ser mantidos, se os salários estiverem atrasados os descontos devem ocorrer nas datas dos pagamentos dos salários, com atraso. Se os salários não estiverem sendo pagos, aí sim, não haverá de onde descontar. Para mim isto está muito claro.
J.O. – Algum prefeito ou governador suspendeu descontos de parcelas de empréstimos nos salários?
André – Pouquíssimos. Em todo o Brasil, quase ninguém.
J.O. – E quais as consequências para os servidores do município ou estado?
André – Varia, caso a caso. Mas uma decisão unilateral como essa por parte de um chefe do Executivo pode gerar aumento na taxa de juros, paralização da concessão de novos créditos e, até mesmo, o registro dos servidores nos cadastros de inadimplentes. Além disso, gera uma confusão enorme para o setor de folha de pagamento, pois a maioria dos servidores deseja continuar pagando e não solicitou a suspensão. Esse servidor se surpreende quando o banco entra em contato cobrando uma parcela que deveria ter sido descontada em folha.
J.O. – É aquele tiro que sai pela culatra…
André – Exatamente! Mas, muitas vezes, a pressão para que os descontos sejam suspensos vem dos sindicatos, que também se utilizam disso para fazerem política. Parece que estão lutando por toda uma categoria, porém, quando têm êxito, prejudicam a maioria daqueles que representam.
J.O. – Alguns municípios estão concedendo aumento aos servidores.
André – Pois é. Aqui mesmo, em Viamão, os professores terão aumento de 12,84% referente ao reajuste do piso nacional da educação básica conforme determina a Lei Federal 11.738/2008. Outros municípios também concederão aumento para o magistério, pois precisam cumprir a lei. Os servidores do quadro geral de diversos municípios também receberão aumento neste mês ou nos próximos, o que é muito justo. Seria um grande erro suspender qualquer desconto autorizado pelo servidor com base em um convênio firmado pelo próprio município.
J.O. – Já existe alguma decisão judicial sobre o assunto?
André – Em uma ação movida contra a União e o Banco Central, um juiz do Distrito Federal autorizou liminarmente a suspensão dos descontos das parcelas dos empréstimos a aposentados pelo INSS e pelos regimes próprios de previdência dos estados e municípios, mas essa liminar já foi derrubada e os descontos serão mantidos. Mas é importante entender que, mesmo que a decisão de primeira instância houvesse sido mantida, ela só atingiria os aposentados e as pensionistas, e os bancos é que deveriam deixar de enviar os descontos para os setores de folhas de pagamento para que, só então, os municípios, estados e institutos de previdência realizassem as suspenções. Também é importante salientar que isso não tem nada a ver com qualquer decisão unilateral que, eventualmente, um prefeito ou governador possa tomar, descumprindo os termos de um convênio firmado.
J.O. – Como estás vendo a forma com que Viamão está lutando contra o coronavírus?
André – Acho que todo radicalismo é burro. Desde o início desta pandemia, com base na opinião de diversos especialistas, eu venho defendendo o isolamento vertical, mantendo em casa apenas as pessoas que fazem parte dos grupos de risco e permitindo que os trabalhadores, possam gerar receita e movimentar a economia. Eu continuo trabalhando, mas com cuidados que não eram necessários antes do coronavírus. Não visito a minha mãe há seis semanas, pois ela está no grupo de risco. Precisei me adaptar à realidade atual, mas vou continuar fazendo a minha parte para que a roda continue girando para frente. Considero muito acertada a decisão do prefeito Russinho em permitir que o comércio volte a funcionar e também concordo com ele na utilização de máscaras na rua, nos locais públicos e no comércio.